quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Que a memória não falhe

Para ninguém esquecer do dia em que as propagandas todas ficaram ridículas nas prateleiras. Os outdoors soavam patéticos e os slogans da publicidade completamente alienados.

Que a memória não falhe pra lembrar dos carros caros, iguais aos decrépitos: frágeis e impotentes perante a lama.

Que seja eterna a lembrança do dia em que nos olhamos e percebemos que estávamos vivos, e isso era tudo o que importava.

Algo sobre o Centro de Blumenau

Começo a saber das consequências na parte mais famosa da cidade.


uma das fornecedoras de água do centro de Blumenau, ETA-1.


desbarrancamento cabeceira da ponte do centro.

Muitos outros relatos, esses os que consegui fotografar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O perdão.

Lamento por quem morreu. Eu morri um pouco também.

Eu estive em estado de choque até hoje. Hoje tentei esquecer. Hoje, ao caminhar pelas estradas, foi impossível. Eu chorei o caminho inteiro.

Deste choque eu não precisei disfarçar a saída. Havia cumplicidade em quem esbarrava. Estavam também. Todos chorávamos: alguns por fora, outros por dentro. É a condição de quem começa a aceitar o que aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda acontecerá por aqui.

Dizem que é preciso aprender a perdoar para se poder viver. Ao olhar tudo isso, eu entendo o que eles dizem. É preciso aprender a perdoar: aprender a perdoar o destino, deus, a natureza, a evaporação, a condensação, tudo.

Blumenau em estado de pânico

Como se a dor de perder um vizinho ou uma vizinhança inteira já não fosse suficiente, agora também existe a probabilidade da continuação da tragédia. Existirá habitação segura? Existirá terra firme? Tudo aqui é em algum ângulo, como em muitos outros locais no país e no mundo. Um vale tem poucos terrenos planos e livres da enchente.

Costumamos tomar cuidado. Os morros são arborizados. As construções são bem feitas.

Não foi suficiente.

Mesmo áreas de mata virgem estão desmoronando. Veja este exemplo - um morro que vejo pela porta de trás de minha casa, completamente virgem, partindo-se:


(observem o tamanho do deslizamento comparando com o tamanho das casinhas na base do morro)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Blumenau: quantidade de chuvas

Hoje vi pela televisão:

Durante um ano inteiro chove 1600mm em Blumenau.
Nos dias 22 e 23 de novembro choveu 500mm em Blumenau.

Nas grandes enchentes de 1983 e 1984 choveu 60mm por dia.
Nesta enchente choveu 250mm por dia.

Em 2 dias, choveu o equivalente a 31,25% das chuvas de um ano inteiro em Blumenau.

Blumenau: as casas ainda caem

Quando uma casa cai, geralmente ela é notícia nacional e vira manchete por dias consecutivos. Aqui é diferente. Em qualquer conversa fala-se sobre as casas que cada um viu cair ou viu caídas em sua vizinhança. Fala-se em números: "No meu morro caíram 5" "Na rua defronte à minha havia 12" "Na minha o morro inteiro despencou. Sobrou minha casa e mais meia dúzia."

Pela soma simples dos depoimentos (6) que colhi mais minhas próprias observações, cheguei ao número de 37 casas soterradas ou despencadas.

Ruas sumiram. Morros foram lavados. Não se tem notícia de famílias inteiras. Há locais em que o socorro sequer chegou ainda.

Blocos de pessoas encharcadas de lama correm pelas ruas, em socorro às casas que estão desabando.

Impossível avaliar a dimensão desta tragédia sem precedentes.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Blumenau em calamidade pública

FOTOS: http://www.flickr.com/photos/32748042@N04/

Mesmo tendo sido testemunha das grandes enchentes de 83 e 84 e de lembrar do desespero envolvido naquela catástrofe, posso dizer que nunca vi algo tão avassalador por aqui.

Somos acostumados às intempéries. Sabemos que existe um ciclo de cheias em nossa região. Temos consciência das cotas de enchente de cada rua e de onde é segura a construção de habitações.

Mas o que se dizer quando a cidade se dissolve? Não existe cota ou aviso prévio para o momento em que um solo vira uma gelatina.

Um dos morros atingidos... (rua hermann huscher) Centro de Blumenau
http://www.youtube.com/watch?v=2f_ZvUMOW1I

Na mesma rua, momento da queda de uma das casas
http://www.youtube.com/watch?v=-2fGFcVk9KY&feature=related

Mata virgem, casa, barranco, muro, árvore. O solo deixou de sustentar.

Vejo o exército guiando o trânsito. Vejo morros pela metade. Vejo todas as ruas - antes seguras - transformarem-se em uma pasta de barro e entulho. Vejo depoimentos repetidos - assustadores.
Eu caminho pelo meu bairro e entro nos estabelecimentos que resistem abertos (padarias, conveniências) e pergunto sobre o que aconteceu por perto. As respostas são as mesmas.

As 3 pessoas com quem conversei moram próximas de regiões onde mais de 3 casas caíram (uma pessoa viu um morro inteiro cair, sem saber quantas casas foram destruídas, outra também - dizendo que uma das casas tinha 3 andares, outra falou que 5 casas caíram).

O cemitério do meu bairro despencou.

Não consigo descrever a quantidade de barro que está pelas ruas.

Em meu flickr as fotos.

Ficamos 20h seguidas sem energia. Espaços com energia. Sem energia de novo.

Vamos ficar sem água por 10 ou 15 dias. Uma adutora rompeu-se.

FOTOS: http://www.flickr.com/photos/32748042@N04/

domingo, 23 de novembro de 2008

Minha cidade sangra

São quatro meses de chuvas ininterruptas.
O solo já estava mole. Houve uma trégua de 2 dias, no fim de semana passado. Foi quando o que não se esperava aconteceu. Começou tudo de novo, muito mais forte.
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Ao voltar do curso de dança, vi um morro onde a água descia como nunca antes. Sempre olhava para aquela direção, e tudo - mesmo com muita chuva - parecia calmo. Fiquei parada olhando aquilo. Imaginei que a força da água poderia liquefazer uma pessoa instantaneamente.

Chegando ao escritório, tirei minha roupa molhada. Percebi a variação da energia... Resolvi tirar um cochilo e ligar tudo quando as coisas estivessem calmas.

Quando acordei, vi meu prédio sem energia. Abri a persiana e vi a rua seguinte à minha completamente alagada. Mais próximo, vi carros utilizando minha rua em mão dupla. Caos total. Pensei "o que aconteceu durante meu sono? por quantas horas eu dormi?".

Foi o espaço de 4 horas.

Desci com minha câmera e já na primeira rua visitada, o gosto da dor. Não que aquele povo estivesse despreparado para uma enchente. Entretanto, enchentes dão aviso prévio e acontecem lentamente - centímetros por hora. Aquilo ali aconteceu com o rio a 3 metros (a rua é alagada com 9 metros) e em velocidade colossal.

Eles andavam com a água até a cintura, carregando roupas, travesseiros, pequenos móveis. Os grandes acabavam ficando no caminho. Ela chorava e tremia. Descarregava as roupas na garagem do vizinho, unia as mãos e apenas chorava, em estado de choque.

Eu não vou esquecer o ambiente desta minha primeira foto.

Eu passeei pela cidade e fui testemunha da velocidade da subida das águas. Havia uma transversal engarrafada. Resolvi fazer o U para chegar à outra ponta da mesma rua. Quando lá cheguei, já não pude mais acessá-la: a água já batia nos joelhos. Espaço de 20min.

Fotografei o que pude: o início desta calamidade. (As fotos deste blog não foram batidas por mim. Peguei-as do blog do Cássio.) Voltei ao escritório completamente molhada e dormi mais um pouco, esperando pela energia - para poder compartilhar as fotos. Nada.

Às 20:00h desisti. Apenas dois telefonemas - um para meus pais e outro meu namorado. Deles ouvi outros aspectos do desmoronamento da minha cidade.

Tudo escuro, nenhum sinal de energia elétrica durante 5km de caminhada. Lama e pedras. Ruas interditadas onde obviamente barreiras teriam caído.

Pouco antes do quarto quilômetro, uma ilha se formou no meio de uma das principais ruas de meu bairro. 15m de barro convertido em lama jaziam e impediam a rótula de funcionar. Uma casa protegida por alguns metros de lona preta era tudo o que havia restado daquele beiral. Quem sabe esta casa dure até quarta, quando as chuvas devem parar.

Adiante, esta mesma principal rua demoronada. Eu tive medo de ir ao beiral, pois o barro está tão mole que temi que meu peso pudesse me levar ribeirão abaixo. O barulho do ribeirão era ensurdecedor. Era um filme de terror: de um lado da pista, um grande buraco - do outro, o ribeirão e o desbarrancamento. Eu me perguntei "mas o que está mantendo essa rua em pé?". Olhei de novo e não me veio resposta alguma.

Quando cheguei em casa, eu soube pelos meus pais que a rua em frente à nossa teve todo o calçamento arrancado e três casas de material soterradas.

Pela televisão eu vi a imagem da loja onde eu ia comprar minha cozinha soterrada pelo morro que estava atrás dela. Pela televisão também soube que não tenho mais como sair de casa, pois tenho agora também um alagamento no caminho.




(aqui eu ia comprar a cozinha)


(shopping Neumarkt - o principal da cidade)

Quando a energia voltou, pela TV comunitária eu soube que não existe rua em Blumenau que não esteja ou alagada, ou destruída, ou desbarrancada, ou soterrada.
Houve quem comparasse a um terremoto. Não é para tanto. Um terremoto por aqui não deixaria mais de 20% das construções em pé. Mas é verdade quando o governador diz que o solo transformou-se em sorvete.



(acesso Centro - Garcia (maior bairro de Blumenau)



(vista da região central - entrada Garcia)


(Rua República Argentina - outra da região central)


(Idem)

É a minha amada cidade virando lama.

sábado, 22 de novembro de 2008

Sentimento

A chuva não pára de cair e algumas encostas desbarrancam. Mesmo com as casas a perigo, muitas famílias não aceitam sair de suas casas. Por mais que a prefeitura alerte, elas acreditam que suas vidas não teriam mais sentido se retiradas daí, e preferem a morte ao desnorteamento.

E quantas vezes não é assim? Eu não as julgo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sem guarda-chuva

Quando saí, o céu pronunciava, mas eu estava de fone de ouvido e eu... não. Continuei, ouvindo e contemplando o crescente, prevendo algo catastrófico para a metade da ponte. Torcendo para.

O atraso não me deixava completar a intensidade da música. Existia algo de racional no traçado do caminho. Sentia uma nota sete. Mas adiante, eu fui, a fé.

Como o previsto, foi na metade que o vento frio trouxe. E não havia música que calasse aquilo.

Se existisse sentimento para voar, teria se despregado.

Consegui.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Einstein e a Teoria da Relatividade

Melhor falar da teoria do boi com asas.

Meu diário

Eu ia comprar um diário em papel. As coisas que importam cabem em uma página por dia. Seria certo colocar lá. Entretanto, o papel é insensível ao erro. O papel não perdoa. Por isso, aqui.

Sobre meu diário:

São seis linhas - das minhas.

Sobre mim:

Eu gosto de grandes frases, de pensamentos perdidos e plurais de substantivos terminados em "ez".

"estupidezes"

"arrozes"

"gravidezes"